MORTALIDADE E NECROPOLÍTICA: SOCORROS PÚBLICOS AOS RETIRANTES NAS SECAS (1877-1915)

ANDRÉ TOTTI

Co-autores:
Tipo de Apresentação: Oral

Resumo

 

O presente estudo visa a experiência (THOMPSON, 1981) das relações de dominação estabelecidas entre as autoridades públicas e os retirantes na trajetória de atuação da Comissão de Socorros Públicos, durante os 38 anos que decorreram entre a grande estiagem de 1877 e a criação do Campo de Concentração, em 1915.  A problematização parte de uma leitura do processo histórico por intermédio do conceito de Necropolítica (MBEMBE, 2003/2016), que objetiva trazer uma nova proposta para os estudos sobre a seca, mediante a observação sobre como os governantes, em suas práticas, produziram e influenciaram o crescimento da mortalidade de retirantes, de acordo com uma relação de inimizade (MBEMBE, 2017) estabelecida diante da presença da multidão de migrantes, entendida como "a causadora de tantos insustentáveis sofrimentos" (Op. Cit., p. 73) e potenciais perigos para os comerciantes, proprietários, profissionais liberais e servidores públicos residentes das cidades. Desse modo, por intermédio da leitura dos jornais e dos relatórios governamentais, o trabalho busca, por um lado, analisar como a produção discursiva (FOUCAULT, 1996) da imprensa e das autoridades enunciaram os retirantes de maneira estigmatizada, como sujeitos subalternizados e racializados, em uma compreensão que lidava com as suas vidas como se fossem de menor valor em relação à Vida Qualificada (AGAMBEN, 2007) de Fortaleza. Por outro lado, importa realizar a reflexão sobre como, diante das relações de subalternização estabelecidas no tratamento com a pobreza urbana, as práticas governamentais expuseram os retirantes a diversas situações que poderiam resultar em suas mortes, tanto durante os projetos emigratórios, como também nas ações de isolamento, nas quais se evidenciam fatais continuidades entre os abarracamentos de 1877 e a criação do Campo de Concentração, em 1915. Em suma, pretende-se analisar como, na experiência das estiagens, a mortalidade de retirantes se tornou algo banalizado e aceito seja pelas autoridades, seja pela opinião pública.