TRAJETÓRIA DA LOUCURA AO SOFRIMENTO PSÍQUICO

DAIANA DE JESUS MOREIRA

Co-autores: MARIA LÚCIA MAGALHÃES BOSI
Tipo de Apresentação: Oral

Resumo

A saúde mental é um campo de conhecimento e atuação em movimento, histórica e culturalmente constituído e um conceito polissêmico, intersetorial e transdisciplinar. Daí este trabalho tem como objetivo relatar a trajetória da saúde mental nos diversos contextos- histórico- político- culturais e religiosos. Na Grécia pré-socrática, o sofrimento psíquico era um castigo dos deuses irritados com a hybris dos homens. Nos textos trágicos, a loucura resulta da impossibilidade de escolha individual nos conflitos entre paixões, lealdades e deveres impostos pelo destino. Nas obras de Eurípedes a loucura se psicologiza, e tanto a sua etiologia quanto os quadros clínicos são atribuídos às consequências das emoções. O modelo mítico-teológico da antiguidade é substituído por uma visão racionalista das contradições, limitações e fraquezas humanas. Com Hipócrates, o "pai da medicina", a loucura é entendida como um efeito do desarranjo na natureza orgânica do homem, nas disfunções humorais. Tal concepção afasta a influência divina na loucura. Platão lança uma visão nova da psyché, ao considerá-la como composta de três almas: uma racional, o logos, uma afetivo-espiritual e uma terceira, apetitiva. O direito romano introduz no mesmo período a incapacidade civil e a inimputabilidade penal para os que não gozam de saúde mental perfeita. A visão medieval da loucura está intimamente associada à possessão demoníaca. Na Renascença, os loucos tinham uma existência errante, surgindo daí a figura mítica da nau dos loucos vagando indefinidamente pelos rios. Com o desaparecimento da lepra, os leprosários, dão lugar a loucura e as doenças venéreas, marcadas pelo caráter excludente. Com Descartes, a loucura se situa ao lado do sonho e de todas as formas de erro, emergindo como impossibilidade de pensamento. Concomitante, os loucos começam a ser aprisionados nos asilos juntamente com os criminosos, "vagabundos", pobres, prostitutas, doentes, que se avolumam nos centros urbanos em virtude das mudanças provocadas pela Revolução Industrial, no século XVIII. Os hospitais nasceram como instituições religiosas que ofereciam assistência filantrópica e humanitária aos pobres e necessitados, tendo também um papel de repressão. Philippe Pinel, ao trazer a loucura para o campo médico, funda a psiquiatria, como campo da medicina moderna e propõe uma nosografia ao conferir à loucura o estatuto de alienação mental, na busca da causalidade biológica para compreensão do processo saúde-doença com expressão moral ou comportamental e na investigação do lugar onde esta se alojava. Essa perspectiva vem ocupando o pensamento psiquiátrico até nossos dias. No século XXI, estabeleceu uma correlação direta entre os fenômenos físicos e epifenomenais que acontecem no cérebro. Ao estabelecer uma correlação direta entre os fenômenos físicos e epifenomenais que acontecem no cérebro, dilui-se aquilo o dualismo mente/corpo, herança do pensamento cartesiano, em nome de uma perspectiva cerebralista da pessoa. Novas definições são usadas no campo da Psiquiatria como transtorno mental (em português e espanhol), desordem mental (em inglês) e portadores de transtornos mentais pela legislação brasileira. Entendem-se como transtornos mentais e comportamentais, conforme o CID-10 e DSM-V, condições clinicamente significativas caracterizadas por alterações do modo de pensar e do humor ou por comportamentos associados com angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento. Estes termos remetem a uma pessoa transtornada, em desordem, que carrega um fardo enorme. Daí o campo da saúde mental e atenção psicossocial preferir o termo sujeitos "em" sofrimento psíquico, conferindo ênfase à experiência vivida do sujeito. Ao trazer esta trajetória histórica afirmamos que um debate entre as categorias é útil para colocar em questão o estatuto do sofrimento e da pessoa na cultura ocidental e rever as possibilidades heurísticas dessa discussão, para análise do aparelho institucional armado em torno das terapêuticas psicológicas, psiquiátricas e médico- psiquiátricas. Portanto, aceitar um determinado conceito e saúde implica escolher certas intervenções efetivas sobre o corpo e a vida dos sujeitos, e uma redefinição deste espaço onde se exerce o controle administrativo da saúde dos indivíduos.