RESUMO
Esse estudo tem como objetivo descrever com base em evidências científicas o cuidado no contexto do uso de crack entre pessoas com HIV e situação de rua. Trata-se de uma revisão integrativa realizada na Biblioteca Virtual de Saúde a partir das bases de dados Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde- LILACS e Scientific Electronic Library Online - SCIELO, no período de julho a setembro de 2018. Após critérios de inclusão e exclusão quatro artigos que se aproximaram com o objetivo proposto. Verificou-se, com este estudo, a escassez de publicações que envolvam pessoas que fazem uso de crack, têm HIV e estão em situação de rua nessas bases de dados. Porém esses poucos estudos permitiram a visualização de aspectos relevante acerca das pessoas que fazem uso abusivo de drogas e vivem em situação de rua e as possibilidades existentes e possíveis para reduzir os danos sociais e de saúde desses usuários. Conclui que as pessoas em situação de rua apresentam situações de vidas precárias, principalmente relacionadas ao acesso a informações, somando-se a isso as pessoas que usam crack ainda estão em vulnerabilidade.
INTRODUÇÃO
A Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS) é uma doença de notificação compulsória transmitida principalmente por via sexual, causada pelo HIV (Vírus da Imunodeficiência Adquirida), ocasionando uma depleção da imunidade e deixando a pessoa propícia a coinfecções (JÚNIOR; SOUSA, 2016). Essa doença afeta indivíduos independente de classe social. No entanto, vale salientar que pessoas que vivem em situação de rua e fazem uso abusivo de crack apresentam maior vulnerabilidade socioeconômica, educacional e de outros fatores sociais, podendo apresentar inúmeros problemas sociais, psicológicos e familiares e terem menor acesso aos serviços de saúde e informações (HALPERN et al, 2017).
Grangeiro et al (2012) aponta que a prevalência de HIV entre usuários de drogas é de 23,1%, seguido por homens que fazem sexo com homens com 13,6% e profissionais do sexo com 4,8%. Os autores ainda colocam que esses comportamentos expõem os sujeitos em situação de maior exposição às epidemias de HIV/AIDS, levando em conta também fatores sociais, as práticas desprotegidas de sexo, o uso de drogas, a discriminação e as dificuldades enfrentadas nos seus cotidianos. Sobretudo no acesso aos serviços, "esses aspectos caracterizam fortemente a população em situação de rua no Brasil" (GRANGEIRO et al, 2012).
E quem são as essas pessoas em situação de rua? São indivíduos que não possuem residência fixa, habitam as ruas fazendo-as de moradia e sobrevivência. Trabalham, alimentam-se, dormem, vivenciam condições precárias, de extrema pobreza e fazem desse espaço lugar de convivência, cuidado, constroem múltiplas formas de viver e protagonizam suas vidas de forma singular (SILVA; CRUZ; VARGAS, 2015; BERTUSSI et al, 2011).
Dada à singularidade de cada ser humano, faz-se necessário compreender a dinâmica individual de cada sujeito, seus contextos de vida, suas histórias e suas principais necessidades para pensar em um cuidado construído de forma peculiar que abranja as reais demandas apresentadas por esse público (GRANGEIRO et al, 2012; MERHY, 2014).
Nesse contexto, esse estudo tem como objetivo descrever com base em evidências científicas o cuidado no contexto do uso de crack entre pessoas com HIV e situação de rua.
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão integrativa que, de acordo com Souza, Silva e Carvalho (2010) esta permite a busca, a avaliação crítica e a síntese do conhecimento. Esse método tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado, pois admite a inclusão de dados teóricos e empíricos, possibilitando uma análise complexa dos fenômenos. Assim, para guiar a revisão integrativa, utilizou-se a seguinte questão: Qual o cuidado realizado com o usuário de crack com HIV positivo e em situação de rua?
Esse estudo foi realizado no período de julho a setembro de 2018. A busca pelos artigos foi efetuada na base Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) a partir das bases de dados Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde - LILACS e Scientific Electronic Library Online - SCIELO. Utilizou-se os descritores cadastrados nos Descritos em Ciência da Saúde (DeCS): HIV, Crack e Situação de Rua com os operadores booleanos AND.
Os critérios de inclusão foram artigos publicados nos últimos cinco anos, texto completo, escritos em língua portuguesa e realizados no âmbito nacional. Foram excluídos editoriais, revisão de literatura, matérias de jornais e resenhas. Foram encontrados 56 artigos acerca do assunto. Para tal estudo, utilizou-se quatro artigos que se aproximaram com o objetivo proposto e que estavam dentro dos critérios de inclusão.
Após leitura das publicações elaborou-se três quadros resumidos para síntese das publicações selecionadas. No quadro 1 foram contemplados os seguintes aspectos: código do artigo, título da pesquisa, nome dos autores, método e objetivo do estudo, periódicos e ano de publicação. No quadro 2 observa-se: o código do artigo e as suas respectivas sínteses.
Após a organização dos dados, procedeu-se à análise descritiva dos principais resultados encontrados.
Quadro 1. Código do artigo, título, autor, método, nível de evidência e ano das publicações.
Título |
Autores |
Método |
Periódicos |
Ano de publicação |
|
A1 |
Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico em seis capitais brasileiras. |
Halpern, S. C. et al. |
Estudo multicêntrico em seis capitais brasileiras, com 564 usuários de crack. O como objetivo avaliar a gravidade do uso de substâncias psicoativas, situações de violência, saúde física e emocional de usuários de crack que buscam atendimento em Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPSad), em relação ao status de moradia. |
Cad. Saúde Pública |
2017 |
A2 |
Uma política da narratividade: experimentação e cuidado nos relatos dos redutores de danos de Salvador, Brasil. |
Dias R. M., Passos, E., Silva, M. M. C. |
Estudo qualitativo realizado por meio de relatos dos redutores de danos e registros em diário de campo. Objetiva investigar a política da narratividade vigente no relato das experiências de campo realizadas por redutores de danos de um Programa de Redução de Danos (PRD) de Salvador, Brasil, em 2012. |
Interface (Botucatu) |
2016 |
A3 |
Padrão de uso e possibilidade de cessação do consumo do crack: estudo transversal. |
Horta, R. L. et al. |
Estudo observacional, transversal, com delineamento quali-quantitativo e amostragem de conveniência, por estratégia de bola de neve. O objetivo desta pesquisa foi analisar a relação entre o padrão de consumo de crack nos últimos seis meses de uso ativo e a condição de abstinência ou não no momento das entrevistas. |
Estudos de Psicologia |
2016 |
A4 |
Midiatização do crack e estigmatização: corpos habitados por histórias e cicatrizes. |
Romanini M, Roso A. |
Estudo qualitativo baseado na pressuposição metodológica da Hermenêutica de Profundidade. Teve como objetivo uma análise das experiências de usuários de crack em relação ao próprio corpo, sensações e histórias relacionadas ao uso da droga. |
Interface (Botucatu) |
2014 |
Quadro 2. Síntese dos Resultas na Revisão.
Código |
Síntese dos Resultados |
A1 |
O estudo foi realizado com 564 usuários de crack. Estes foram categorizados em dois grupos: (1) usuários que estiveram em situação de rua (n = 266) e (2) nunca estiveram em situação de rua (n = 298). Para avaliar a gravidade do uso de substâncias e as características dos indivíduos utilizou-se o Addiction Severity Index, 6a versão (ASI-6). Os usuários do grupo 1 demonstraram piores indicadores em relação às subescalas álcool, problemas médicos, psiquiátricos, trabalho e suporte familiar, além de maior envolvimento com problemas legais, violência, abuso sexual, risco de suicídio e problemas de saúde como HIV/AIDS, hepatite e tuberculose, além de possuírem menos renda para pagar necessidades básicas. |
A2 |
Trata sobre as relações de cuidado permeadas entre redutores de danos e usuários de substâncias psicoativas. Os discursos dos interlocutores falam sobre a importância da criação de vínculos, as possibilidades terapêuticas geradas a partir da escuta, tendo essa tecnologia como possibilidade de restauração de relações de cuidado perdidas por conta do uso de substâncias psicoativas. Além disso, os redutores de danos trabalham a redução de danos como prática ética-política de cuidado, compreendendo as singularidades de cada uso, trabalhando com afeto e respeitando as histórias de vida contada por cada usuário. |
A3 |
Identificação da associação entre o uso frequente e pesado e a cessação do consumo (RP 1,06 [IC95%: 1,01 - 1,12] p = 0,019). No que concerne as entrevistas em profundidade, não foram evidenciadas distinções marcantes entre os subgrupos de entrevistados, parecendo haver um emparelhamento das percepções, independente do padrão objetivo de consumo. |
A4 |
Nos discursos dos profissionais da saúde, usuários de crack e da mídia de massa, foi confirmada a reprodução e manutenção das relações de dominação entre homens e mulheres. O corpo do usuário é alvo de categorizações sociais e acaba sendo colado à identidade de usuário de crack. Outro aspecto relevante observado foi que os usuários de crack apresentaram um pensamento crítico contra os discursos hegemônicos sobre drogas veiculados nos meios de comunicação. |
Fonte: Elaborado pelo autor
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Verificou-se, com este estudo, a escassez de publicações que envolvam pessoas que fazem uso de crack, têm HIV e estão em situação de rua nessas bases de dados. Entretanto, ainda que pontuais, as publicações acerca da temática permitiram a visualização de aspectos relevante do acerca das pessoas que fazem uso abusivo de drogas e vivem em situação de rua e as possibilidades existentes e possíveis para reduzir os danos sociais e de saúde desses usuários.
Assim, identificou-se no artigo de código A1 que as pessoas que fazem uso de crack podem já ter estado ou não em situação de rua e que esses usuários estão mais susceptíveis ao uso de álcool, problemas médicos, psiquiátricos, trabalho e suporte familiar, além de maior envolvimento com problemas legais, violência, abuso sexual, risco de suicídio e problemas de saúde como HIV/AIDS, hepatite e tuberculose, além de possuírem menos renda para pagar necessidades básicas.
Estar em situação de rua é ser nômade na produção de suas próprias histórias, é percorrer em territórios muitas vezes invisíveis para os trabalhadores dos serviços socioassistenciais e de saúde, construindo múltiplas conexões na vida em busca de cuidado, de compreensão e escuta das suas inúmeras experiências, na tentativa de fugir da lógica centrada nos saberes biomédicos, que por vezes, são arraigados de desencontros, de olhares estigmatizantes, de desigualdades de conhecimentos e de formas de vidas (MERHY et al., 2014; GOMES; MERHY, 2014; LOBOSQUE, 2010).
Desse modo, observa-se a importância da estratégia da Redução de Danos. Estratégia essa centrado no usuário, construída junto a ele e para ele. Conforme o Ministério da Saúde (2004), Redução de Danos é a redução danos sociais e à saúde decorrentes do uso de drogas lícitas ou ilícitas.
No Brasil, a primeira forma de cuidado relacionando ao HIV e o consumo de drogas foi a Redução de Danos. Essa surge na cidade de Santos (SP) em 1989, como medidas de prevenção entre as pessoas que fazem uso de drogas injetáveis, conforme explica o artigo A2. Nesse contexto, deixa ser exclusivamente relacionada ao HIV e ao uso de drogas injetáveis e passa a ter caráter de cuidado para pessoas que desejam ou não deixar de usar drogas.
Nesse contexto, conforme demonstra o artigo A4, observa-se que no Brasil o consumo abusivo de drogas ilícitas aumentou cerca de 3% entre 2001 e 2005. O artigo A1 estima que 0,81% dos brasileiros das capitais brasileiras fizeram uso e consumo frequente do crack, formando 35% das pessoas que fazem uso de drogas ilícitas, tornando-se um problema de saúde publica. A esse respeito:
Os usuários de crack caracterizam-se por serem uma população de risco e apresentarem inúmeras vulnerabilidades, tornando-se um desafio para os serviços de tratamento e para as políticas públicas da área da saúde e da assistência social. A exposição a doenças e a situações adversas da vida acontece de forma diferenciada de acordo com cada indivíduo, regiões e grupos sociais, e ela está intimamente relacionada às condições socioeconômicas, ao nível educacional e a outros indicadores sociais, como status de moradia, situação legal e doenças associadas. (HALPENR et al, 2017, pág. 2)
É nesse sentido que trazemos o artigo A5. Ele explicita que o corpo do usuário é alvo de categorizações sociais e acaba sendo colado à identidade de usuário de crack. Outro aspecto relevante observado foi que os usuários de crack apresentaram um pensamento crítico contra os discursos hegemônicos sobre drogas veiculados nos meios de comunicação. Entretanto, os preconceitos, a demonização e marginalização dos usuários de drogas estimulam a estigmatização dessas vidas e dificultam a promoção de cuidado.
Quando se trata de pessoas que vivem em extrema vulnerabilidade, como as que estão em situação de rua, e que possuem HIV, é necessário observar o multifacetado repertório de necessidades demandadas por elas. É imprescindível que os serviços que atendem tais populações tenham profissionais capacitados e que flexibilizem suas práticas, visto que esse grupo em particular escapa completamente a definições reducionistas e homogêneas, uma vez que esses sujeitos seguem códigos intrínsecos que se diferem das normas institucionais, como horários predeterminados, regras, circulação restrita, proibicionismo, dentre outras (VARANDA; ADORNO, 2004; MERHY et al., 2014; GOMES; MERHY, 2014).
CONCLUSÃO
Por meio da busca pode-se inferir que as pessoas em situação de rua apresentam situações de vidas precárias, principalmente relacionadas ao acesso a informações, somando-se a isso as pessoas que usam crack ainda estão em vulnerabilidade, apresentando maior suscetibilidade a infecção pelo HIV, essas pessoas ainda encontram restrições aos serviços e informações pertinentes a suas saúde e condições de habitar. Notas ainda a necessidade dos serviços de atender tendo um olhar direcionado por um cuidado amplo e singular, e que redução de danos necessita perpassar todos os espaços tratando cada usuário de forma singular. E que a população em situação de rua tem suas necessidades particular e homogênea por ser um grupo nômade e em situações fragilizadas. Cabe ainda ao serviço uma flexibilização de suas práticas e descontruir os preconceitos que é colocando nesse usuário de Crack e em situação de rua. Então, cabe a equipe presta um cuidado integral, social e assistencial a esse sujeito.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. SVS/CN-DST/AIDS. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas. 2. ed. rev. ampl. Brasília, 2004.
BERTUSSI, D.; BADUY, R. S.; FEUERWERKER, L. C. M. et al. Viagem cartográfica: pelos trilhos e desvios. In MATTOS, R. A.; BAPTISTA, T. W. F. Caminhos para análise das políticas de saúde, p. 306-324, 2011.
DAMACENA, G. N.; SZWARCWALD, C. L.; SOUZA JUNIOR, Paulo Roberto Borges de. Práticas de risco ao HIV de mulheres profissionais do sexo. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 48, n. 3, p. 428-437, Jun. 2014.
DIAS, R. M.; PASSOS, E.; SILVA, M. M. C. Uma política da narratividade: experimentação e cuidado nos relatos dos redutores de danos de Salvador, Brasil. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 20, n. 58, p. 549-558, Set. 2016.
GOMES, M. P. C.; MERHY, E. E. Pesquisadores IN-MUNDO: um estudo da produção do acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede UNIDA, 176 p. 2014.
GRANGEIRO, A. et al. Prevalência e vulnerabilidade à infecção pelo HIV de moradores de rua em São Paulo, SP. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 46, n. 4, p. 674-684, Aug. 2012.
HALPERN, S. C. et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 33, n. 6, e00037517, Epub, Jul. 03, 2017.
HORTA, R. L. et al. Padrão de uso e possibilidade de cessação do consumo do crack: estudo transversal. Estud. psicol. (Campinas), Campinas, v. 33, n. 2, p. 325-334, Jun. 2016.
LOBOSQUE, A. M. Seminário Saúde Mental: Os Desafios da Formação. Belo Horizonte: Caderno Saúde Mental, ESP-MG, v. 3, 2010.
MERHY, E. E.; GOMES, M. P. C.; SILVA, E. et al. Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde. Divulgação em saúde para debate. Rio de Janeiro, n. 52, p. 153-164, out., 2014.
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SOUZA, M. T.; SILVA, M. D.; CARVALHO, R.. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein. v. 8 n. 1, p. 102-106, 2010.
VARANDA, W.; ADORNO, R. C. F. Descartáveis urbanos: discutindo a complexidade da população de rua e o desafio para políticas de saúde. Saúde e Sociedade, v.13, n.1, p.56-69, jan-abr., 2004..