A doença de COVID - 19, identificada em dezembro de 2019, na China, foi declarada como pandemia pela Organização Mundial de Saúde em março de 2020, modificando sobremaneira o funcionamento regular das sociedades e a vida das pessoas (OLIVEIRA et al., 2020). Dentre as estratégias de enfrentamento,, o isolamento social foi uma das principais medidas adotadas. Por conseguinte, considerando o paradoxo entre as propostas lançadas e ações incipientes de apoio às populações vulneráveis, a pandemia descortinou os problemas de ordem social, econômica e no campo afetivo, destacando-se a amplitude dos casos de violência nos lares brasileiros entre mulheres, crianças, adolescentes e jovens (LIMA, 2020; MARQUES et al., 2020).
Os atos de violência praticados contra as mulheres, em sua maioria, não são concretizados em boletins de ocorrência, e, quanto a crianças, adolescentes e jovens, estes dados são ainda mais subnotificados. Com menor visibilidade desse público, pelo fechamento de creches e escolas, sua rede de proteção foi reduzida (LEWANDOWISKI et al., 2021; MARQUES et al., 2020).
A violência intrafamiliar torna-se difícil de ser desvelada, por ocorrer em na esfera privada do ambiente doméstico, resguardado pela lei do silêncio que, associado ao medo e à impunidade de seus agentes, desencorajam as vítimas a denunciarem tais atos. Paradoxalmente, a casa, que deveria ser um ambiente seguro para prevenção de contágio ao novo coronavírus, pode se configurar como um local aterrorizante para os mais vulneráveis (PLATT et al., 2020). O contexto pandêmico acentuou, então, os casos de violência, em que toda a sociedade precisa estar atenta a esta realidade (LEWANDOWISKI et al., 2021).
Assim, a extensão universitária, que possui como função precípua aproximar a universidade da sociedade, promovendo e construindo políticas alternativas e de relevância social (ALBRECHT; BARROS, 2020), traz também uma dimensão humana em seu cerne.
No entanto, com as limitações impostas pela pandemia para a realização do ensino remoto, a extensão universitária foi reduzindo suas atividades, e o projeto Comunidade Universitária em Ação (COMUNA) compreendeu a importância de realizar ações que contribuíssem com a redução do impacto da violência nas comunidades por meio de kits antiviolência, almejando assim uma aproximação ensino-comunidade e o fortalecimento de parcerias.
Relatar a experiência de criação, produção e distribuição de kits antiviolência do projeto COMUNA.
Trata-se de um relato de experiência, desenvolvido como parte das atividades de extensão do projeto COMUNA, da Universidade Estadual do Ceará (UECE), numa parceria com a associação de moradores do bairro Serrinha, localizado na periferia de Fortaleza, e ainda com o projeto de extensão do curso de Ciências Sociais EDUCACOM, também da UECE.
A experiência ocorreu em março de 2020 e contou com a produção e distribuição de kits antiviolência para famílias da comunidade, que continham frases motivacionais, materiais escolares como lápis de cor, desenhos de incentivo à educação, dentre outros itens.
Foram produzidos e distribuídos 200 kits pelas envolvidas no projeto COMUNA -extensionistas e docente responsável, almejando incentivar crianças, adolescentes e jovens a manter o vínculo com a escola, buscando também alegrá-los no período de isolamento social, amparando as famílias nessa perspectiva. Constituiu-se também num modo de acolher as mães que passaram a preocupar-se com a rotina imposta pelo momento pandêmico numa relação de cuidado e vínculo.
Durante a ação, estudantes e famílias recebiam esclarecimentos de que se tratava de uma ação da universidade e da importância deste vínculo ser fortalecido. O apoio da associação de moradores do bairro foi essencial, considerando a perspectiva de conhecerem o território e as necessidades das famílias envolvidas, possibilitando que a extensão também compreendesse e atuasse em uma dimensão de equidade, em especial em momentos de crise como este,colaborando com os mais vulneráveis.
Albrecht e Barros (2020), destacam a importância de um repensar a extensão universitária como política pública, com aproximação e preocupação com as demandas da sociedade, almejando uma interação dialógica, atuando com base na interdisciplinaridade e na indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, reafirmando-a como um processo acadêmico com impacto e transformação, com ações que se voltem aos interesses e necessidades da população.
O projeto COMUNA vem de encontro a estas perspectivas, pelo seu caráter transdisciplinar,trabalhando a ideia de cuidado ampliado e envolvendo saúde em sua complexidade e inteireza, produzindo práticas de cuidado, de promoção da saúde e de promoção de vida de juventudes periféricas (CEARÁ, 2020). Assim, esta ação realizada aponta para um caminho de aprendizado com inclusão social e desenvolvimento de várias habilidades à equipe.
A experiência proporcionou uma vivência singular, trazendo conhecimentos e aprendizagens em ato além de uma práxis articulada na propositura de saberes diversos. Percebeu-se o quanto a extensão avançou no desenvolvimento da comunicação com a comunidade e inserção no território proporcionada pelo projeto, demonstrando que apesar da existência de barreiras reais para a realização de ações como esta, com organização, seguimento das medidas sanitárias e estabelecimento de parcerias é possível,ratificando o papel social, humano e político que a extensão deve contemplar.