Exponho neste simpósio uma análise que fiz, em parte de minha tese, defendida em 2015, sobre a fabricação do mito de Tancredo Neves pela imprensa, sobretudo quando de sua doença e morte. Tive acesso a reportagens de O Globo e Folha de São Paulo de finais da década de 1970 e início dos anos 1980, nas quais verifiquei o vínculo colaborativo de Tancredo Neves com o governo militar que foi o responsável pelo projeto da "redemocratização" a partir de abertura proposta por Geisel em 1974. Assim como, em discursos proferidos na tribuna da Câmara e do Senado, Tancredo se colocou como um porta-voz dos projetos do governo, opondo-se a posições consideradas "radicais" dentro do próprio PMDB e defendendo a "conciliação". Por outro lado, entre 1984 e 1985, no contexto de sua campanha para as eleições indiretas e, em seguida, de sua doença e morte, Tancredo Neves foi elevado pela imprensa à categoria de um "herói da democracia", um sujeito com uma trajetória sem contradições, a despeito de seu trânsito conhecido com os militares. Na pesquisa, argumentei que noticiar diariamente o processo de seu adoecimento e a consequente morte, dando ênfase a uma comoção nacional, foi uma estratégia midiática fundamental para a construção de uma memória de Tancredo enquanto o "mártir" da democracia. Transformá-lo de um colaborador da ditadura em "herói da resistência democrática" foi importante para que as elites políticas daquela historicidade, incluindo setores da imprensa, produzissem um esquecimento de que Tancredo, mas também outros atores políticos, colaboraram com a ditadura.