Os primeiros anos da década de 20 do século XIX foram tempos incertos e intensos para os colonos da capitania de Sergipe. Envolvidos com as lutas pela emancipação da colônia em relação à Portugal e, ao mesmo tempo, com as questões relativa ao processo de sua autonomia administrativa em relação à capitania da Bahia, vivenciaram densamente a discussão e os eventos que assinalaram o movimento da independência o qual, nessa região da América Portuguesa, orientou a ação política dos segmentos da elite local. No desenrolar da disputa política, as dissensões entre os grupos revelavam modos diferentes de conceber os projetos para o futuro do Brasil, o que levava a defesa do modelo político institucional que parecia melhor assegurar a efetivação das transformações julgadas necessárias para o seu desenvolvimento econômico e social. A participação dos indivíduos nesse processo histórico excepcional conduziu à construção de algumas memórias autobiográficas na intenção de documentar, para a posteridade, uma versão pessoal sobre os posicionamentos assumidos e opiniões políticas defendidas. Assim, a análise proposta neste texto parte do reconhecimento de que o relato memorialístico de trajetórias individuais pode fornecer elementos significativos para, na interseção entre a noção de individualidade, a representação seletiva do passado e o ato de lembrar, fundamentar a discussão das complexas dimensões e relações que ligam os sujeitos aos contextos vivenciados e sua ressignificação. O objetivo nessa operação consiste em captar as nuances da construção do relato produzido em tempos posteriores, no peso da diferença entre o tempo vivido e a reconstituição desse tempo pela memória, já sob a influência de contextos políticos diferentes a direcionar a interpretação dessa experiência. O texto, dialogando com bibliografia pertinente, problematiza os relatos autobiográficos de agentes históricos que deixaram suas impressões sobre o momento vivido, captados pela análise das memórias: Carlos César Burlamaqui (Memória Histórica e Documentada dos Sucessos Acontecidos em Sergipe D'El-Rei), de 1821; Antonio Moniz Souza (Viagem e observações de hum brasileiro), escrita em 1834; José Pinto de Carvalho (Apontamentos sobre alguns atos da vida pública do cidadão brasileiro José Pinto de Carvalho) de 1865.