Cuidados de enfermagem ao paciente com morte encefálica
Introdução
O paciente com morte encefálica (ME) é definido como um ser que apresenta parada total e irreversível do cérebro e tronco cerebral com a causa conhecida e constatada de modo indiscutível, mas que mantém, temporária e artificialmente, a função cardiorrespiratória (CFM ,1997).
Com o aprimoramento tecnológico na área de transplantes de órgãos, percebeu-se que o paciente na condição de ME começou a ser mais bem cuidado graças à possibilidade de doação de órgãos e tecidos, que possibilitou à outras pessoas recomeçar suas vidas com mais qualidade (PESTANA; ERDMANN; SOUZA 2012).
No entanto, por mais que o paciente apresente as características de ser um doador efetivo isso não garante que todos os órgãos possam ser aproveitados. Pois, faz-se necessária uma adequada preservação e posterior viabilidade destes órgãos até a extração (GUETTI, MARQUES 2007, p.92). Percebe-se então a necessidade de cuidados adequados que permitam o aproveitamento do órgão, melhorem a qualidade do enxerto transplantado e diminua o risco de possíveis complicações pós-operatórias (ARAÚJO et al 2014, p. 135).
A manutenção do potencial doador inclui o seu reconhecimento e posterior confirmação, o pleno conhecimento de todas as formalidades legais envolvidas no processo, a prevenção, a detecção precoce e o manuseio imediato das principais complicações advindas da ME. A equipe de enfermagem deve ser capacitada a identificar tais alterações, pois é responsável pelo controle de todos os dados hemodinâmicos do possível doador (GUETTI, MARQUES, 2007; ARAÚJO et al 2014).
Diante disso, o interesse pelo estudo surgiu a partir de vivências em um hospital de grande porte com elevado número de captação de órgãos durante o Internato do curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará.
Assim, este estudo tem como objetivo conhecer os cuidados de enfermagem prestados ao paciente com morte encefálica.
Acredita-se que a maior divulgação desses cuidados no meio acadêmico e profissional facilitará a compreensão de pessoas que não tiveram oportunidade de vivenciar o processo de doação de órgãos, por meio do acesso a informações sobre o processo de manutenção de um provável doador de órgãos e suas especificidades
Metodologia
Trata-se de uma revisão de literatura, com abordagem qualitativa. Realizou-se um levantamento bibliográfico em abril de 2016 por meio da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) nas bases de dados LILACS, SCIELO, BDENF.
Foram utilizados os descritores: morte encefálica, cuidados intensivos e enfermagem, sendo encontrados 61 artigos. Como critérios de inclusão, adotou-se: artigos disponíveis na íntegra, escritos na língua portuguesa e publicados no período de 2006 a 2016. Após a aplicação desses critérios, obteve-se 10 artigos. Foram excluídos os artigos duplicados e um que não apresentava relação com o tema estudado, resultando 5 artigos para compor o estudo.
Resultados e Discussão
O cuidado com o potencial doador de órgãos deve-se seguir com o mesmo empenho e dedicação que qualquer outro paciente da UTI e deve está focada em reconhecer precocemente as alterações fisiológicas apresentadas por esse paciente, e consequente manuseio para a preservação dos órgãos (PESTANA, EDRMANN, SOUSA 2012; FREIRE et al 2012; GUETTI, MARQUES, 2007).
Como mostrado por Freire et al (2012), as complicações que levam a parada cardíaca, estimada como uma das principais causas da não efetivação da doação de órgãos, devem ser conhecidas pela equipe e identificadas. Sendo essas complicações geralmente hipotensão e hipertensão arterial, hipotermia, hipernatremia, diabetes insipidus, hiperglicemia, infecção e úlcera de córnea.
Essas complicações citadas acima podem ser evitadas com alguns cuidados, os quais foram destacados em um estudo realizado por Neves, Duarte e Mattia (2008), no qual foram apresentados oito parâmetros de avaliação de enfermagem para múltipla escolha com o objetivo de analisar o conhecimento dos profissionais enfermeiros das UTIs em relação à manutenção de potencial doador em transplante de órgãos.
Esses parâmetros foram: monitoramento cardíaco contínuo; saturação de oxigênio; pressão arterial; pressão venosa central; equilíbrio hidroeletrolítico; equilíbrio ácido-base; débito urinário; temperatura corporal. Como resultados, percebeu-se que os enfermeiros privilegiavam os procedimentos para a manutenção do potencial doador em torno de cinco procedimentos, com ênfase no monitoramento cardíaco contínuo, na saturação de oxigênio, na temperatura corporal, no débito urinário e no equilíbrio hidroeletrolítico e, nos estudos analisados, esses cuidados foram os que mais se destacaram.
É importante enfatizar o cuidado com o controle da pressão arterial, para que, em casos de hipertensão, possam ser prescritas as medicações para reduzi-la e, nos casos de hipotensão, possa ser realizada a reposição volêmica ou medicações vasopressoras. Além disso, deve ser realizado o controle da frequência cardíaca e gasometrias, para que possam ser identificados desequilíbrios acidobásicos ou hidroeletrolíticos.
Esses cuidados são de extrema importância dado que, durante a descarga autonômica, a acentuada liberação de catecolaminas produz grande vasoconstrição, que acarreta em taquicardia, aumento da pressão arterial e da demanda de oxigênio do miocárdio, podendo causar isquemia e necrose miocárdica, além de arritmias cardíacas. Após cessar a tempestade autonômica, o resultado é a perda dos tônus simpático, com profunda vasodilatação e hipotensão arterial grave, sendo esta a alteração fisiológica mais grave da ME, pois o colapso cardiovascular ocorre principalmente por conta dessa profunda vasodilatação e hipovolemia relativa (GUETTI, MARQUES, 2007; FREIRE et al 2012).
Além desses é importante destacar o cuidado com o controle da glicemia que deve ser realizada em dosagens seriadas de glicose sanguínea ou por meio do controle de glicemia capilar, no mínimo de quatro em quatro horas. Ainda mais frequente que a hiperglicemia é o diabetes insipidus que ocorre devido a falência hipotálamo-hipofisária, sendo facilmente detectado com um balanço hídrico rigoroso, responsabilidade da equipe de enfermagem. (GUETTI, MARQUES, 2007)
Os cuidados de manutenção com o potencial doador podem fazer toda a diferença, como no caso das úlceras de córneas que surgem devido à falta de prevenção e impossibilitam a doação. Como dito por Freire et al (2012), para conservar o órgão deve-se utilizar gazes umedecidas com solução salina a 0,9% sobre as pálpebras fechadas ou usar tiras finas de esparadrapo.
Logo os cuidados de enfermagem relacionados com o monitoramento cardíaco contínuo, saturação de oxigênio, temperatura corporal, débito urinário, equilíbrio hidroeletrolítico e controle da pressão arterial são de extrema importância para o paciente com ME, visto que esses cuidados implementados proporcionam que esse paciente possa ser um doador efetivo.
Conclusão
Desta forma, pode-se concluir que o cuidado da enfermagem prestado aos pacientes com ME são especializados e de extrema importância, pois, como visto, com os cuidados de qualidade, a manutenção desse paciente, como um provável doador de órgãos, fará com que ele se torne um doador real e com o maior número possível de órgãos doados.
Referências
ARAÚJO, Jhonnathan Pablo Marques; AGUIAR, Valéria Monteiro; AMARAL, Thatiana Lameira MacieL; PRADO, Patrícia Rezende. Padronização da assistência de enfermagem na manutenção de múltiplos órgãos no potencial doador adulto. Rev . Cuidarte Enferm. v. 8 n.2, p.130-136, julho-dezembro 2014.
Conselho Federal de Medicina.[BR] Resolução nº1.480, de 08 de agosto de 1997. Estabelece os critérios para caracterização de morte encefálica. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 ago 1997. Seção 1: 18.227- 228.
FREIRE, Sarah Gabriel et al. Alterações fisiológicas da morte encefálica em potenciais doadores de órgão e tecidos para transplante. Esc Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 4, n. 16, p.761-766, dez. 2012.
GUETTI, Nancy Ramos; MARQUES, Isaac Rosa. Assistência de enfermagem ao potencial doador de órgãos em morte encefálica. Rev Bras Enferm, Brasília, v. 1, n. 61, p.91-97, fev. 2007.
PESTANA, Aline Lima; ERDMANN, Alacoque Lorenzini; SOUSA, Francisca Georgina Macêdo de. Emergindo a complexidade do cuidado de enfermagem ao ser em morte encefálica. Esc Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 4, n. 16, p.734-740, dez. 2012.
NEVES, Alessandra Rodrigues; DUARTE, Eliane, MATTIA, Ana Lúcia.Notificação de morte encefálica em doação de órgãos. Rev. Min. Enferm., v. 12 n.2, p. 213-218, abr./jun., 2008