Introdução: A úlcera venosa é uma lesão cutânea que acomete o terço inferior das pernas, representando cerca de 70% a 90% dos casos de úlceras nos membros inferiores. Esta lesão está associada à insuficiência venosa crônica, sendo essa a principal causa de úlcera nas pernas (SALOMÉ; FERREIRA, 2012). A ferida de etiologia venosa é a que possui maior prevalência e interfere, muitas vezes, de forma negativa, na qualidade de vida do paciente, nos âmbitos social e econômico. Tal acontecimento ocorre, principalmente, pelo grande tempo decorrido entre a abertura da lesão e a sua cicatrização, aliado ao correto tratamento da doença, o qual, muitas vezes, não é planejado e seguido. Uma enfermidade crônica interfere nas adaptações da vida em andamento, ao fazer com que a realização de tarefas rotineiras se torne mais desafiadora. O meio social e o ambiente físico, no qual o indivíduo vive, podem afetar a capacidade, a motivação e a manutenção física da pessoa. A ferida pode representar uma agressão à integridade, produzindo um desequilíbrio psíquico; também pode gerar, frequentemente, momentos de depressão que dificultam a realização de ações de autocuidado (SILVA et al., 2009). Dessa forma, os pacientes expressam vários sentimentos relacionados à dificuldade em viver com a ferida, às limitações, à dependência familiar, às dificuldades do tratamento e repouso, aos episódios de dor e à religiosidade. Assim, harmonizar o tratamento de tal enfermidade com uma boa qualidade de vida é um desafio para os profissionais da saúde. A enfermagem, fundamentada em seu cuidado holístico que deve ser dado ao paciente, deve conhecer a experiência sua de vida, fazendo-lhe uma correta abordagem, para que se dimensione a interferência da lesão nos hábitos que antes eram comuns, trabalhando, assim, o processo de cicatrização, mas também os aspectos emocionais do seu cliente com úlcera venosa. Diante do exposto, questiona-se como se dá o vivido de quem experiência esta situação? Para tentar aclarar este fenômeno, realizou-se o presente estudo com o objetivo de conhecer a experiência de viver com uma úlcera venosa, a partir da compreensão dos discursos de pacientes acompanhados em ambulatório.
Metodologia: Trata-se de um estudo do tipo descritivo exploratório de campo. A pesquisa foi realizada com 18 pacientes, no período de março a abril de 2016, em um hospital de atenção secundária, pertencente à rede de saúde de Fortaleza-CE. A unidade do estudo foi o ambulatório de feridas. Foi utilizada uma entrevista semi-estruturada, a partir da seguinte questão norteadora: "Como é para o(a) senhor(a) viver com a ferida?" Ainda foi preenchido formulário para obtenção de dados sociais, demográficos e clínicos. As entrevistas foram gravadas, o que permitiu maior acurácia no momento de organização dos dados. A análise de conteúdo realizou-se, sob os ensinamentos da Análise de Conteúdo de Bardin (2011), mediante apreensão de categorias temáticas. A pesquisa seguiu as determinações da Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012 e foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Ceará, sob CAAE nº 42385015.8.0000.5534. Os participantes assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido, quando lhes foi garantido o sigilo de suas identidades. Com relação aos riscos da pesquisa, percebeu-se que as perguntas em algum momento poderiam causar constrangimento aos entrevistados, entretanto, este risco foi gerenciado com sucesso. O estudo traz benefícios para o cuidado de enfermagem sistematizado e humanizado, posto que aponta abordagem terapêutica mediante escuta ativa acerca das necessidades de bem-estar das pessoas investigadas.
Resultados e Discussão: Os pacientes entrevistados eram, na maioria do sexo feminino 12 (66,6%), casados ou em união estável 10 (55,5%), obtendo-se a possibilidade destes terem um maior apoio familiar para cuidar da úlcera. A renda, da maioria, variava de 1 a 2 salários mínimos 16 (88,8%), o que mostra uma precária condição econômica, 16 (88,8%) residem em casas próprias, localizadas, na maior parte, em Fortaleza-CE. A maior parte revelou assumir autocuidado 14 (77,7%) e, destes, 7 (50%) relataram ter auxílio de cuidador, sendo este algum membro de sua família. Dentre os pesquisados, 8 (44,5%) somavam de 1 a 3 anos de acompanhamento no ambulatório. Com relação ao tabagismo e etilismo, 10 (55,5%) disseram que já fizeram uso de álcool e tabaco, entretanto, atualmente, todos afirmaram não fazer uso dessas substâncias. Dentre os fatores de risco, apresentavam Hipertensão arterial 9 (50%), Diabetes mellitus 6 (33,4%) e obesidade, classe 1, 5 (27,7%). A partir da análise dos discursos relativos à pergunta norteadora do estudo, emergiram três categorias temáticas: sentir-se em uma condição ruim de viver devido à dor intensa e à dificuldade em repousar; sentir-se limitado, por não fazer o que fazia antes e depender de outras pessoas; e sentir-se como antes do adoecimento, mantendo a fé em Deus. Com relação à primeira categoria, destacam-se os seguintes discursos: "É complicado. É muito complicado (...) No caso, eu tenho quatro filhos sabe, e a convivência no cuidado deles é muito difícil, pois nessa situação requer repouso e pra quem tem quatro filhos não tem como ter repouso." E4, "Ah, é horrível, assim, eu não gosto porque quando está em um momento que a ferida dói aí eu me sinto assim (...) Não tem quem se sinta bem com um problema desses (...) eu tenho vontade de trabalhar e às vezes me impede de trabalhar." E6. De acordo com a literatura, a dor é sintoma frequente e de intensidade variável, não sendo influenciada pelo tamanho da úlcera, já que lesões pequenas podem ser muito dolorosas, enquanto as grandes podem ser praticamente indolores. Em geral, quando presente, a dor piora ao final do dia com a posição ortostática e melhora com a elevação do membro (ABBADE; LASTORIA., 2006). Na segunda categoria, destacam-se os seguintes discursos: "Eu me privo de muita coisa, e eu num sei tá parado de jeito nenhum, era muito ativo. Em casa eu era tudo, eu era eletricista, pintor, pedreiro, fazia de tudo, sei fazer de tudo, e hoje isso e a idade né (...) Vivo aperreando ela (se referiu a esposa) né? Ela me ajuda em tudo" E2, "É muito difícil, não posso sair de casa, não consigo descer a calçada da minha casa, só venho quando tem alguém pra me ajudar, sozinha eu não desço da calçada." E14. Tal categoria vem enfatizar as mudanças que ocorrem na vida desses pacientes e a dependência que estes apresentam em relação a outras pessoas. Na medida em que esses pacientes demonstram alguma dependência para administrar suas atividades, sejam domiciliares, de lazer, sociais e familiares, terão sua autonomia prejudicada e, automaticamente, tornam-se dependentes de seus familiares e amigos, e, consequentemente, apresentam declínio da autoestima e comprometimento da autoimagem e da qualidade de vida (SALOMÉ; FERREIRA, 2012). Na terceira e última categoria, evidenciaram-se as seguintes falas: "Ela não me impede de fazer minhas coisas." E13, "Eu não gosto, mas Deus vai me curar, está bem pertinho, se Deus quiser!" E5. Percebe-se, então, a "indiferença" da ferida de algumas pessoas, ainda que para alguns, e do apoio que algumas tem na religião e na fé. Segundo a literatura, a esperança encontra-se relacionada à fé que se tem em uma existência superior/divina, que dá força e realimenta diariamente o desejo da melhora e da cura, além de reduzir a ansiedade frente à situação de morte (WAIDMAN et al., 2011). Portanto, ficou claro que há dificuldades em viver com a feriada, principalmente. Assim, o enfermeiro deve cuidar de modo a ajudar os pacientes a procurarem metas de bem-estar, para que suas limitações não o impeçam a buscar a melhor qualidade de vida possível.
Conclusão: É de fundamental importância que o enfermeiro sempre desenvolva um trabalho de educação em saúde com esses pacientes portadores de úlcera venosa, para que os mesmos controlem os fatores que podem interferir na cicatrização da lesão e, consequentemente, busquem metas de qualidade para suas de vidas. O objetivo de conhecer a experiência de viver com uma úlcera venosa, a partir da compreensão dos discursos de pacientes acompanhados em ambulatório foi alcançado, obtendo como resultados discursos variados, mas em que na sua maioria abordavam as dificuldades e limitações que a ferida o causaram. Assim, o enfermeiro deve atuar para que essa autoestima dos pacientes esteja elevada e enfrente com menos dificuldades o longo tratamento de uma úlcera venosa.
Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: 7ed, 2011.
ABBADE, Luciana Patrícia Fernandes; LASTORIA, Sidnei. Abordagem de pacientes com úlcera da perna de etiologia venosa. An. Bras. Dermatol., Rio de Janeiro , v. 81, n. 6, p. 509-522, Dec. 2006 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962006000600002&lng=en&nrm=iso>. access on 06 May 2016.
SILVA, Francisca Alexandra Araújo da et al . Enfermagem em estomaterapia: cuidados clínicos ao portador de úlcera venosa. Rev. bras. enferm., Brasília , v. 62, n. 6, p. 889-893, Dec. 2009 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000600014&lng=en&nrm=iso>. access on 06 May 2016.
SILVA, Marcelo Henrique da et al . Manejo clínico de úlceras venosas na atenção primária à saúde. Acta paul. enferm., São Paulo , v. 25, n. 3, p. 329-333, 2012 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002012000300002&lng=en&nrm=iso>. access on 06 May 2016.
Waidman, Maria Angélica Pagliarini et al., O Cotidiano do Indivíduo com Ferida Crônica e sua Saúde. Maringá, v.23, n.2, p.692-693, 2009. Available from <http://www.index-f.com/textocontexto/2011pdf/20-691.pdf>. Access on 06 May 2016.