Significados da violência para familiares de adolescentes em sofrimento psíquico
Natana Abreu de Moura1; Ana Ruth Macêdo Monteiro2; Rodrigo Jácob Moreira de Freitas3; Liane Araújo Teixeira4; Amanda Teodózio Ribeiro5
EIXO III: ENFERMAGEM, SAÚDE E SOCIEDADE: ENCONTRO NOS TERRITÓRIOS
Introdução
A violência é um fenômeno que se expressa no vivido, no cotidiano, para o setor saúde é tida como um problema de saúde pública, pois gera consequências aos seres humanos que afetam a sua saúde física e psicológica, além de ser responsável por um grande número de mortes.
A OMS, na tentativa de nortear esse fenômeno no campo da saúde, classifica a violência em autoinfligida, direcionada a outros (interpessoal) e coletiva. Na violência interpessoal estão como grandes protagonistas a família e a comunidade/sociedade. Os tipos de violência praticados por esses dois grupos podem ser: física, sexual, psicológica e de negligência ou privações (KRUG, 2002).
Importante destacar que a família é apontada como a principal autora das agressões em estudo que demonstra que adolescentes entre 10 e 14 anos sofreram mais com a violência física, ficando a violência sexual também em segundo lugar; e na faixa etária de 15 a 19 anos as notificações foram principalmente de agressão física, psicológica e violência sexual, respectivamente (BRASIL, 2013).
Sendo a família a principal responsável pelo cuidado prestado aos adolescentes em sofrimento psíquico é necessário saber como a mesma entende a violência, pois o emprego de violência na vivência familiar pode contribuir ou intensificar o sofrimento psíquico em adolescentes. Portanto, o objetivo do estudo foi compreender o significado da violência para familiares de adolescentes em sofrimento psíquico.
Metodologia
Trata-se de estudo qualitativo com referencial teórico na fenomenologia social de Alfred Schutz. A pesquisa aconteceu no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) da Secretaria Regional IV do município de Fortaleza-CE, no período de agosto a dezembro de 2015, por meio de entrevista semiestruturada. Foram incluídos os familiares que fossem os cuidadores diretos dos adolescentes e excluídos aqueles que após aceitarem participar do estudo e agendada entrevista não comparecessem ao dia marcado. Dessa forma, foram entrevistadas duas mães e uma tia.
A análise das entrevistas foi feita a partir de leitura minuciosa do material coletado e todos os resultados produzidos foram interpretados à luz do referencial teórico da Fenomenologia Social de Alfred Schutz, que possibilitou a apreensão dos significados essenciais do fenômeno, a situação biográfica e o conhecimento a mão de cada sujeito, chegando a um tipo vivido, bem como permitiu a elaboração de categorias concretas que foram discutidas a partir dos conceitos dessa teoria. Nesse trabalho será abordada apenas uma categoria.
A pesquisa foi aprovada do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará/UECE, com número de aprovação 696.813 e CAAE 27056814.0.0000.5534, sendo um recorte da dissertação de mestrado: Significados de práticas violentas no mundo da vida de adolescentes em sofrimento psíquico: motivações para o cuidado clínico de enfermagem. Foi garantida a privacidade dos pesquisados e todos assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com a Resolução 466/2012 (BRASIL, 2013b). Para a garantia do anonimato as responsáveis pelos adolescentes foram representadas por nomes de flores: Margarida, Rosa e Angélica.
Resultados e Discussão
Significados da violência
Nota-se nos relatos dos familiares que estes apreendem os significados da violência com referência nas suas experiências de vida.
Eu sei da doméstica, eu era violentada pelo meu ex-marido, tanto verbal como bater mesmo... (Margarida).
Violência acontece, acontece muita violência porque tem muitas crianças que não respeitam as pessoas que são especiais, quando vê chama de nome, diz que é doido, diz que é abestado, como ele disse que é gordinho, aí tem vezes que a criança não aguenta tanta coisa, aí vira violência (Rosa).
Eu acredito que dependendo assim, às vezes a classe social conta muito, /.../ quem não tem uma certa condição social eu acredito que seja mais fácil para o adolescente, no caso, ele ficar mais próximo da violência porque às vezes ele quer uma coisa não tem, não tem quem dê, o pai e a mãe não estão em casa eles vão pra onde querem, também quando estão em casa também não obedecem, porque a juventude de hoje não, você também não tem mais controle sobre eles e há um monte de coisa que conta, a criação, o nível social, /.../ a família, como a criança é tratada em casa e muitas outras coisas, o mundo das drogas que ta aí pra todo mundo, tanto faz ser pobre como rico, é isso (Angélica).
Na fala de Margarida percebe-se que houve uma vivência da violência na forma de agressão física e verbal. Portanto, há o relato do contexto de violência intrafamiliar e, particularmente, de violência contra a mulher, sendo esta uma prática que se encontra enraizada em um modelo de sociedade patriarcal e machista. Pois, as tipificações são repassadas de geração para geração, sendo a violência de gênero, onde a mulher é a principal vítima, uma das formas de violência perpetrada no seio social e aceita, algumas vezes, como "natural" (MENEGHEL, et al., 2013). Martins (2013) aponta, ainda, que um ambiente familiar hostil durante a infância pode reforçar atitudes de violência na adolescência e na idade adulta.
No relato de Rosa, ela traz à tona um tema que é central na atenção em saúde mental: o estigma da loucura. Embora, os serviços substitutivos tentem romper e se afastar do paradigma manicomial, centrado na doença e na institucionalização, os sujeitos em adoecimento mental ainda tem que lidar no seu cotidiano com práticas que revelam que o antigo modelo não foi completamente superado, sendo violentados por serem reduzidos a condição de loucos.
Angélica situa a violência como uma questão de classe social, contudo a associação entre violência e pobreza não pode ser dada em uma simples relação de causa e efeito, merecendo reflexões mais profundas, o que não é o objetivo desse trabalho. As tipificações que constituem a situação biográfica e o acervo de conhecimento orientam as relações dos seres humanos no mundo da vida. Em geral, o homem enxerga o outro como semelhante, posto que, as suas tipificações se estendem ao modo como ele o percebe, por isso toda relação para o Tu, em que um indivíduo volta-se a atenção para um outro, é sempre pré-predicativa, é somente quando essa interação torna-se uma relação-do-Nós é se que pode haver troca de experiências e até alterações nas tipificações (SCHUTZ; LUCKMANN, 2009).
O problema da violência aparece tendo conexão com o uso de substâncias psicoativas, que estaria tanto para pobres, como para ricos. Bem como, enquanto culpa de uma juventude desobediente, o que na verdade, corresponde a tipificação que na sociedade contemporânea se faz a respeito do adolescente, como o que burla as regras, o imprudente, o indisciplinado.
Como a família é a primeira relação-do-Nós estabelecida pelos adolescentes, é relevante que se conheça as concepções dos pais/responsáveis a respeito da violência. Visto que, na maneira de educar são naturalizados muitas ações violentas, além de que essas noções de violência serão repassadas para os adolescentes, demonstrando que para se assistir terapeuticamente o adolescente é preciso considerar, dentro dessa ação, a família.
Conclusão
Ressalta-se que é urgente que o CAPSi e demais serviços de saúde promovam o vínculo familiar afetivo, com novas formas de educar e de lidar com seus membros, pois nesse trabalho pode-se apreender que a família entende a violência no campo da agressão física, ou em práticas que ela está bem perceptível, como a questão do uso de drogas. A violência mais sutil está tão naturalizada que pode nem ser percebida como tal por aqueles que a praticam, trazendo prejuízos para o viver familiar de adolescentes em sofrimento psíquico.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. v. 43, n. 1, 2013a.
______. Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466/2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília. 2013b. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf>. Acesso em: 08 jan. 2015.
KRUG, E.G. et al. (eds). World report on violence and health. Geneva: World Health Organization, 2002.
MARTINS, C.B.G. Acidentes e violências na infância e adolescência: fatores de risco e de proteção. Rev Bras Enferm, Brasília, v. 66, n. 4, p. 578-584, jul./ago. 2013.
MENEGHEL, S.N. et al. Femicídios: narrativas de crimes de gênero. Interface (Botucatu), v.17, n.46, p.523-33, jul./set. 2013.
SCHUTZ, A.; LUCKMANN, T. Las estructuras del mundo de la vida. Buenos Aires: Amorrotu, 2009.