INTRODUÇÃO: Historicamente, o ciclo gravídico puerperal, com maior enfoque no parto e nascimento, apresentava uma conotação mais familiar, no qual se apoiava em vínculos fortalecidos e suportes sociais, com a inserção da tecnologia e a apoderação do corpo da mulher. Tornando esse evento basicamente hospitalar, norteado quase em sua totalidade na presença de intervenções (SOUZA; GAÍVA; MODES, 2011). A crescente taxa de cesáreas no atual contexto brasileiro é sinalizada como um problema de saúde pública. Considerando os números do Ministério da Saúde (MS) concatenados no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), no ano de 2013 o percentual de cesáreas representou mais de 56% dentre as formas de nascer no país (BRASIL, 2013), todavia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) empreende esforços desde o ano de 1985, colocando como injustificável uma taxa de cesáreas superior a 15% (World Health Organization, 1985). No ano de 1996 a OMS difundiu as Boas práticas de atenção ao parto e ao nascimento, com base em evidências científicas, orientação essa que deveria permear a execuções de procedimentos, considerando-os recomendados ou não, no transcorrer do trabalho de parto e parto (OMS, 1996). Posteriormente, no ano de 2011, foi criada a Rede Cegonha (RC) com o intuito de assegurar à parturiente e ao recém-nascido o direito à atenção humanizada durante o pré-natal, parto/nascimento, puerpério e atenção infantil em todos os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) (SERRUYA; CECATTI; LAGO, 2004). A Portaria que implementa a RC no âmbito da assistência à Saúde da mulher, gera o direito à parturiente de fazer escolhas sobre o seu próprio corpo.
OBJETIVO: analisar a atenção ao parto e nascimento na Maternidade Escola Assis Chateaubriand em Fortaleza, Ceará, à luz das recomendações da OMS.
METODOLOGIA: Trata-se de um estudo documental, de abordagem epidemiológica descritiva, realizado no Centro Obstétrico da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), pertencente ao Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC). O estudo teve como população as mulheres que foram atendidas no ano de 2013, com os seguintes critérios de inclusão: parturientes com idade gestacional (IG) igual ou superior a 37 semanas de gestação, admitidas em trabalho de parto ativo e com desfecho de parto normal. As fichas das parturientes admitidas com IG inferior a trinta e sete semanas, mal formação fetal e óbito fetal foram excluídas. Para o cálculo amostral, utilizou-se a fórmula para cálculo de proporções em população finita, com nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%6. No período do estudo ocorreram 3.801 partos. A população total foi de 1.856 partos normais, constituindo a amostra 319 fichas de Monitoramento de Atenção ao Parto e ao Nascimento. A coleta dos dados foi realizada a partir da Ficha de Monitoramento de Atenção ao Parto e Nascimento, instrumento preenchido pelos profissionais do serviço com o propósito de programar os indicadores de qualidade na assistência obstétrica das boas práticas de atenção ao parto e nascimento, referente ao processo de vinculação da referida maternidade à RC. Os dados foram compilados e analisados no software Excel 2010®. Posteriormente, foram submetidos ao tratamento estatístico descritivo e apresentados por meio de frequências absolutas, relativas e desvio padrão. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da referida maternidade sob o parecer 375.225.
RESULTADOS/DISCUSSÃO: Quanto as características sociodemográficas e clínico-obstétricas das parturientes, verificou-se que a média da idade foi 24,5 anos (± 6,9), apresentando 92 (28,8%) usuárias com idade inferior a 19 anos. Eram procedentes da cidade de Fortaleza 268 (84%), as demais eram naturais de cidades localizadas no interior do estado do Ceará. Com relação ao grau de escolaridade, 247 (44,1%) possuíam até onze anos de estudo. Um número significativo de 204 (64,4%) parturientes não realizava atividade remunerada. O número médio de gestações foi 2,15 (± 1,37), sendo 131 (41,1%) parturientes primigestas. Dentre as gestantes, 313 (98,1%) realizaram acompanhamento pré-natal, correspondendo a 5,63 (± 2,72) o número médio de consultas. Em relação aos procedimentos realizados na admissão, os cuidados e as intervenções realizadas durante o trabalho de parto, identificou-se que todas as pacientes foram admitidas em trabalho de parto ativo, a média de dilatação cervical na admissão foi 6,2 cm (±2,07). Parâmetros rotineiramente utilizados para o diagnóstico do trabalho de parto ativo o define como a presença de contrações uterinas rítmicas e dolorosas, dinâmica uterina com frequência superior a três contrações em dez minutos e dilatação cervical igual ou superior a 3 cm (CUNNINGHAM et al, 2012). Entretanto, estudos mais recentes trazem novos padrões de definição para a fase ativa, considerada a partir de 6 cm de dilatação e com evolução mais lenta que a proposta anteriormente, o que pode reduzir intervenções desnecessárias e as a indicação de cesarianas por parada de progressão (ZHANG et al, 2010). Somente uma paciente não realizou o teste rápido para o HIV na admissão, pois negou-se, 295 (95,3%) colheram material para a realização do VDRL durante o trabalho de parto. Em 295 (93,9%) casos foi utilizado o partograma de Friedman para acompanhamento da evolução do trabalho de parto. Dentre as pacientes, 251 (80,4%) deambularam e 182 (60,9%) utilizaram os métodos não farmacológicos para auxílio no alívio da dor. O cavalinho/balanceio pélvico foi o método não farmacológico mais frequente, utilizado por 115 (63,2%) parturientes, seguido por massagem e exercícios, 63 (34,6%) e 53 (29,1%), respectivamente. Dentre os métodos farmacológicos para alívio da dor mais utilizados, em meio a 25 (7,9%) parturientes submetidas ao procedimento, a peridural com cateter contínuo foi realizada em 22 (88%) das 25 pacientes. A liberdade de posição e livre deambulação durante o trabalho de parto, segundo a OMS, é uma prática demonstradamente útil e que deve ser estimulada (OMS, 1996). Em estudo sobre deambulação e mudança de posição no início da fase ativa, afirma-se os benefícios na redução da duração do trabalho de parto, gerando benefícios para a mãe e o filho (MAMEDE et al, 2007). Os métodos não farmacológicos (MNFs) para o alívio da dor devem ser avaliados individualmente e oferecidos no período adequado do trabalho de parto. Nem todos os MNFs apresentam resultados satisfatórios para o alívio da dor, considerando as particularidades de cada gestante e a percepção da dor, porém, agem minimizando os níveis de estresse e ansiedade da gestante (GAYESKI; BRÜGGEMANN, 2010). A ocitocina sintética foi administrada para indução do trabalho de parto em 110 (35,7%). A ruptura artificial das membranas ovulares foi realizada em 40 (12,9%) parturientes. Em relação à dieta, foi prescrita dieta líquida durante o trabalho de parto a 216 (68,4%) gestantes, contrapondo-se a 100 (31,6%) que foram mantidas em dieta zero. Permaneceram com um acompanhante de livre escolha durante o trabalho de parto e parto 227 (72,8%) pacientes, destas, 75 (24,0%) foram acompanhadas pela mãe e 61 (19,6%) pelo companheiro. Do total de partos, 116 (36,4%) teve o apoio de uma doula voluntária durante o trabalho de parto e parto.
CONCLUSÃO: Conclui-se que as recomendações definidas pela OMS estão sendo estabelecidas na rotina da referida maternidade, demonstrando a preocupação dos profissionais e da instituição em realizar práticas baseadas em evidências e que sejam benéficas para a mulher no seu processo de parturição. É importante que a cultura de respeito à autonomia da parturiente seja amplamente difundida, de forma rotineira e sem críticas desnecessárias. É notável que as gestantes estão cada vez mais empoderadas e cientes dos seus direitos, porém, em muitos casos se veem podadas, tendo os seus desejos desrespeitados. Enfim, a reflexão do modelo de assistência baseada em indicadores representa um avanço na busca de alternativas para melhorar o sistema. Entretanto, para que isso ocorra torna-se necessária uma maior conscientização dos profissionais de saúde e, por conseguinte, a propagação de mais informações às gestantes sobre os benefícios do parto normal.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Ministério da Saúde (BR) Indicadores e dados básicos. 2013. [acesso em: 05 fev 2015]. Departamento de Informática do SUS - DATASUS. Disponível em: http://www.datasus.gov.br.
CUNNINGHAM, F. G.; LEVENO, K. J.; BLOOM, S. L.; HAUTH, J. C.; ROUSE, D. J.; SPONG, C. Y. Obstetrícia de Williams. 23ª edição. Artmed, 2012.
GAYESKI, M. E.; BRÜGGEMANN, O. M. Métodos não farmacológicos para alívio da dor no trabalho de parto: uma revisão sistemática. Texto Contexto Enferm, v. 19, n. 4, p. 774-82, 2010.
MAMEDE, F. V.; ALMEIDA, A. M.; NAKANO, A. M. S.; GOMES, F. A.; PANOBIANCO, M. S. O efeito da deambulação na duração da fase ativa do trabalho de parto. Esc. Anna Nery [online], v. 11, n. 3, p.466-71, 2007.
Organização Mundial de Saúde (OMS). Maternidade segura. Assistência ao parto normal: um guia prático. Genebra: OMS; 1996.
SERRUYA, S. J.; CECATTI, J. G.; LAGO, T. G. The Brazilian Ministry of Health's programme for humanisation of prenatal and childbirth care: preliminary results. Cad saude publica, v. 20, p. 1281-89, 2004.
SOUZA, T. G.; GAÍVA, M. A. M.; MODES, P. S. S. A. A humanização do nascimento: percepção dos profissionais de saúde que atuam na atenção ao parto. Rev Gaúcha Enferm. v. 32, n. 3, p.479-86, 2011.
World Health Organization. Appropriate technology for birth. Lancet. v. 2, n. 8452, p. 436-7, 1985.
Zhang J, Landy HJ, Branch DW, et al. Contemporary Patterns of Spontaneous Labor With Normal Neonatal Outcomes. Obstetrics and gynecology. 2010.