INTRODUÇÃO
A Aids é permeada por estigmas e preconceitos relacionados à sua construção histórica e social, onde o sujeito enfrenta o sofrimento físico e o sofrimento social, sobrepondo-se o medo e a intolerância¹. Frente às dificuldades enfrentadas e os conflitos resultantes do processo de adoecimento, encontra-se o enfermeiro, sendo indispensável um cuidado clínico que contemple além do biológico, considerando as subjetividades. A partir desse contexto questiona-se: quais os discursos produzidos por um casal soroconcordante para o HIV a partir de suas vivências?
OBJETIVO
Este estudo teve como objetivo analisar os discursos produzidos por um casal soroconcordante para o HIV a partir de suas vivências.
METODOLOGIA
Estudo de abordagem qualitativa, faz parte de um projeto mais amplo intitulado "HIV/AIDS em idosos: discursos produzidos por meio de suas vivências". A produção dos dados ocorreu através do Método Criativo e Sensível², composto pela tríade: discussão de grupo, observação participante e dinâmicas de criatividade. Por opção do grupo a dinâmica não foi realizada, logo, foi solicitado aos sujeitos que contassem aspectos que considerassem relevantes sobre suas vidas destacando-se o diálogo entre o casal participante, foco deste estudo. A coleta de dados foi realizada em um encontro grupal com cinco idosos soropositivos para o HIV, em agosto de 2013, no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) de um município da região metropolitana de Fortaleza, Ceará. Os critérios de inclusão foram: realizar acompanhamento na referida instituição e idade igual ou superior à 60 anos. Os dados foram analisados por meio da Análise de Discurso com auxílio dos dispositivos analíticos, com ênfase na polissemia (ruptura, deslocamento) e no interdiscurso (memória discursiva)³. O projeto foi aprovado pelo CEP sob o parecer de Nº 212.243. Os imperativos éticos foram considerados conforme Resolução 466/12.
RESULTADOS
O casal soroconcordante que participou do estudo trouxe, em seus dizeres, a questão da culpabilização de forma nítida, onde o parceiro inicia o assunto. Em uma das falas ele diz não poder condenar ninguém por ter lhe transmitido o vírus e usa o interdiscurso "quem sou eu pra julgar os outros" na tentativa de tentar reforçar sua afirmação de não julgamento, porém, procura tirar a culpa de si quando diz que sua carga viral está baixa e por isso a infecção não pode ser uma "coisa velha". Surge em sua fala a possibilidade de contaminação através do sangue que pode nos remeter a uma tentativa de não ser culpado ou não ter um culpado para sua doença. A parceira também revela sentimento de desconfiança ao pronunciar "Graças a Deus... é de outra mulher sua (se referindo à contaminação)". Esse dizer revela-nos uma polissemia que direciona sua fala para a culpa do parceiro. O interdiscurso "Graças a Deus", reforça a sensação de alívio por não ser a culpada, esse alívio pode advir do fato de não se perceber culpada por transmitir a doença ou mesmo por si contaminar.
CONCLUSÃO
A culpa apareceu como protagonista nos discursos do casal. Colocar a culpa em alguém ou em algo, ou mesmo não encontrar um culpado pode ser menos doloroso do que perceber-se como responsável e enfrentar os sentimentos que esta atitude traz. O enfermeiro ao abrir uma possibilidade de escuta da subjetividade dos sujeitos encontra maneiras de amenizar a "possível culpa" ligada ao HIV ou de transformar esse discurso de culpa em responsabilidade.
REFERÊNCIAS
1. BARBARÁ, A., SACHETTI, V. A. R., CREPALDI, M. A. Contribuições das representações sociais ao estudo da AIDS. Inter. Psicol., v. 9, n. 2, p. 331-9, 2005.
2. CABRAL, I. E. O método criativo e sensível: alternativa de pesquisa na enfermagem. In: Gauthier, J. H. M. Pesquisa em enfermagem: novas metodologias. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan, p. 177-203, 1998.
3. GOMES, A. M. T. O desafio da análise do discurso: os dispositivos analíticos na construção de estudos qualitativos. Rev. Enferm. UERJ, v. 14, n. 4, p. 620-6, 2006.