A RELIGIÃO OFICIAL E OS CULTOS DE MISTÉRIO: QUESTÕES SOBRE A RELIGIÃO ROMANA E OS CULTOS ORIENTAIS

HINGRID RENALLE FARIAS BEZERRA

Co-autores:
Tipo de Apresentação: Oral

Resumo

 

RELIGIÃO OFICIAL E OS CULTOS DE MISTÉRIO: QUESTÕES SOBRE A RELIGIÃO ROMANA E OS CULTOS ORIENTAIS

Hingrid Renalle Farias Bezerra*

 

                                          RESUMO

 

O presente artigo tem como objetivo discutir o funcionamento da religião romana no que diz respeito a seus cultos oficiais, realizados e incentivados pelo Estado romano e os cultos orientais que aos poucos penetram em Roma e se fazem como um importante vetor de transformações culturais visto que permitiu ao romano um contato com outros povos, e, por conseguinte com outras culturas, religiões e cultos. Entre estas formas de culto vê-se presente neste cenário religioso dos séculos I e II d.C. um ambiente complexo, repleto de influências de cultos estrangeiros, que se interpenetram no ambiente oficial, pontos esses que pretendemos evidenciar no presente trabalho.

RÉSUMÉ

Cet article vise à discuter du fonctionnement de la religion romaine par rapport à leurs cultes officiels, réalisés et encouragé par l'État romain et cultes orientaux qui pénètrent peu à peu et à faire à Rome comme un important moteur de changement culturel car elle a permis le contact romaine avec d'autres personnes, et donc avec les autres cultures, les religions et les cultes. Parmi ces formes de culte est considérée dans ce paysage religieux actuel de premier et deuxième siècles de notre ère, un environnement complexe, rempli d'influences des cultes étrangers, entrelacés dans un environnement officiel, nous voulons mettre en évidence ces points dans ce travail.

 Palavras -Chave: Religião Oficial, Cultos De Mistério, Cultos Orientais

 

O Império Romano[1] é no mundo antigo um vasto e efervescente centro cultural, econômico e religioso. A partir das transformações ocorridas entre o término do período republicano em Roma e o início do Império, com a tomada de poder de César, Roma passa por uma série de modificações, não só de caráter estrutural da cidade, com sua remodelação, inspirada nas grandes capitais do helenismo, como também cultural e religiosa (GRIMAL, 2011, p.120).  Visando expor esse aspecto religioso do mundo romano é importante se perceber que ele recebe influências que proporcionam existir diversas "religiões" na qual se percebe fortemente o Culto Oficial, difundido pelo Estado e os Cultos de Mistério[2], advindos do contato com o mundo Oriental, através do processo de helenização[3] desse Império que é percebido também a partir de traços urbanísticos, ou através da apropriação da língua grega partir da expansão do poder de Alexandre da Macedônia

A sociedade romana, no que concerne a Religião Oficial é estratificada e voltada para a vida na comunidade, não existem dogmas, nem escrituras sagradas. Como é um culto de caráter político o objetivo é buscar o bem terreno para toda a comunidade, fato que torna um elo entre os cidadãos do império visto que aos estrangeiros esse Culto não era obrigatório. A religião era essencialmente Politeísta.

O contato com o helenismo foi de extrema importância para que se possa perceber a constituição do Culto Oficial, visto que desde o contato com esse mundo helênico que começa a ser esboçado a partir do imperialismo de Alexandre da Macedônia com a posterior anexação desse território por parte de Roma, esse Império passa a receber dele as influências que vão agir internamente no sentido religioso do romano dado pelo Estado.

 

A época helenística se caracterizou por um conjunto de importantes transformações em diversos domínios da sociedade, incluindo o das representações e dos sistemas simbólicos, da a importância dos fatores de natureza religiosa para os homens do mundo antigo. (SOARES, 2011. Pg 33)

 

Todo o contato do mundo romano com essa cultura helênica ajudou a compor através do processo imperialista a face de sua religião, seja aquela realizada nos lares particulares, aquela de caráter público, político e estatal, ou as que ocorrem a portas fechadas de caráter não oficial. É válido ressaltar que coexistem em Roma todas essas formas de Religião.

A religião romana é bastante ritualizada, no que concerne a presença de inúmeras cerimônias que acontecem em várias esferas, seja na vida pública ou privada. Essa ritualística romana tem a função de integrar os indivíduos romanos numa coletividade. É percebido nela a presença da superstição, do sagrado e do profano, não existindo um dogma central, ou seja, uma verdade incontestável e nenhuma autoridade superior espiritual. As deidades caso fossem respeitadas manteriam as instituições cívicas do mundo romano.

O sagrado para o romano é algo que é construído, é uma qualidade instituída, inclusive para os deuses. O sagrado passa a ter uma conotação jurídica, uma propriedade, e por ser uma unidade jurídica cabe ao Estado regular, no que concerne o culto público, por intermédio de um servidor que fora encarregado de tal obra, nesse caso, os magistrados.

O romano tinha liberdade de escolha para cultuar suas divindades, desde que não esse culto não atrapalhasse seu dever cívico com o Estado frente à religião oficial. É tanto que na esfera privada o romano efetuava cerimônias aos seus antepassados muito semelhantes aqueles realizados pelos magistrados e sacerdotes. A ritualística romana possui pontos que confluíam com a tradição de outras culturas do mundo antigo como também possuíam outras que divergiam e lhe eram próprias. Havia certos rituais sacrificais que eram preenchidos por valores próprios da sociedade romana aos quais estrangeiros, sem informação previa não conseguiam interpretá-los. Outros gestos principais como as preces, as oferendas que eram comuns em outras sociedades. Esse fator torna-se um elo entre os cidadãos romanos, pois traz o sentimento de unidade frente ao mundo religioso, revelando uma tradição comum.

Os rituais como os de sacrificação seguiam sequências com objetivos específicos. O fato de primeiro salpicar o dorso da vitima em farina salgada, derramar vinho sobre sua cabeça e depois passar uma faca na cabeça do mesmo revelam que essa vítima esta sendo endereçada aos deuses. Acompanhada de orações esse ritual se efetiva como forma de oferenda a um deus. É importante ressaltar que cada gesto e ritual devem ser percebidos em função de um contexto, dentro dessa perspectiva, os calendários surgem como meio de significar cada ritual, que deve ser realizado em data específica seguindo uma ordem tradicional definida. A ordem de organização da cerimônia torna-se importante por precisar o objetivo do culto, através da ordem da disposição dos objetos utilizados, a posição dos sacerdotes no local e a posição social de cada cidadão presente.

Existia um direcionamento religioso que visava o culto oficial ligado as estruturas determinadas pelos sacerdotes, que se direcionava a manter as tradições romanas, porém ha práticas, entendidas como supersticiosas que fazem com que o cidadão romano por acreditar que os deuses podem ser maus e precisam ser agradados para se ter uma bem-aventurança. Constroem, portanto, com esses deuses, uma relação fundada e baseada no medo, agradando e sempre realizando cerimônias e sacrifícios que visem a seu bem particular, o que contraria lógica da religião de comunidade fomentada pelo Estado.

O Estado direcionava-se a buscar a correta prática da religio e a pietas. A pietas a qual o romano realiza seus deveres religiosos reconhecendo o poder da potencia divina, enquanto que a religio seria prática das tradições e do cultivo das mesmas, através de um conjunto de regras delimitados também pela relação com os deuses.

O que podemos observar é que a vida cívica do romano é permeada de rituais que envolvem todas as suas ações, e por sua vez remontam aos antepassados desses. Para os romanos os avisos que os deuses mandam são sinais que devem ser respeitados com cerimônias, jogos e sacrifícios nos templos. Esses sinais eram interpretados pelos Augures, responsáveis por observar os signos, meio pelo qual se percebia a manifestação dos desejos dos deuses, através de forças das forças da natureza e outros avisos.

Os ritos públicos faziam parte da vida cotidiana do romano. Esse ato viabilizava o sentimento de comunidade desejado pelo Estado, visto que esse se encontrava abalado pela instabilidade do período de guerras civis em Roma durante a República. Com a instauração do Império por Augusto em 27 a.C. surge a necessidade de criar uma identidade ao romano.

 

O Império Romano, assim, representou a integração cultural de uma vasta área territorial, simbolizando uma ordem mundial fundamentada em padrões jurídicos, políticos e morais necessários para se garantir a paz, o que nos remete ao conceito de Romanização. (SOARES, 2011. Pg. 56).

 

Fundamentada nessa perspectiva, é correto inferir que há a necessidade de se criar vínculos com a comunidade, pois isso se torna essencial para a política imperialista. Augusto tenta romanizar [4] o território a qual ele impera resultando a construções de novos valores e o surgimento de novas formas de culto advindas se sua tradição autóctone, mesclando agora com tradições helênicas.

 

 

Augusto reorganiza as estruturas do Senado e do Exército que se torna fixo. Coloca-se como bem feitor máximo de Roma, o que viabiliza por essa perspectiva retomar uma tradição que fora absorvida por Alexandre da Macedônia, com os primeiros contatos desse com o Oriente, que é a divinização da imagem do governante. Augusto se colocava como protetor de todos, num patamar acima dos humanos.

Essa divinização era aceita pela população incluindo filósofos, que acreditavam num parentesco do homem com as divindades. Essa ideia de divino associava-se as ações realizadas por esse indivíduo que possivelmente eram instigadas pelos deuses.

Augusto viu na religião uma forma possível de manter a ordem social e restaurar a unidade do Estado. A ideia de imperador se associava a vitória, visto que, antes esse título era dado aos vencedores das batalhas. A ideia de Império e de divino colocava dentro da estrutura religiosa o culto ao imperador e seus antepassados, o que revela a inserção do culto ao imperador. O romano era essencialmente religioso desde sua origem, e vê esse aspecto como ponto relevante para a construção da identidade do estado imperial. O culto aos imperadores (diui) era celebrado em todas as províncias. O culto variava segundo a posição da cidade, pois as cidades peregrinas organizavam esse culto como lhe fosse melhor. Porém essa forma de culto não era a única maneira que se direcionava a figura do Imperador existia o culto a seu Geniu[5].

As diversas estruturas religiosas da Roma imperial advêm de um processo que se inicia bem antes dessa fase, durante a República, na qual percebemos o afluxo das mais diversas formas de religião, além de marcar o inicio do processo expansionista que muito contribui para a formação da face religiosa do Império. Nesse período entre os séculos III a I a.C. Roma passa a receber influências religiosas de caráter oriental devido ao comércio que realiza com a Bacia do Mediterrâneo e o Oriente Próximo, a expansão das suas fronteiras através das guerras, e do afluxo de escravos. Esses dois últimos pontos muito enriquecem esse contato com os cultos orientas, pois devido às conquistas das guerras os soldados que guerreavam em nome de Roma permaneciam em contato com os povos que seriam dominados o que faz com que esse absorva certas tradições destes e que com a sua chegada a Roma trazia com eles os escravos dessas regiões que buscavam manter suas relações com seus deuses, visto que a religião romana oficial não os obrigava a nenhuma forma de culto.

O contato com o mundo oriental e com a cultura helênica transfigura o modo como a sociedade romana passa a se portar. Seja através da sua organização urbana, política e religiosa.

 

Em Roma, a helenização era coisa antiga. As duas datas essenciais são 343, acordo assinado em Cápua, o qual orienta os interesses e as curiosidades para uma zona profundamente helenizada; e 272, tomada de Tarento, com a qual se conclui a conquista da Magna Grécia. Desde então os contatos políticos e militares com o mundo helenístico, a conquista progressiva da bacia do Mediterrâneo oriental, o afluxo dos escravos orientais aceleram o movimento. (LÉVÊQUE, 1967, Pg. 183).

 

O que convencionalmente definimos como helenismo segundo Lévêque se inicia com a morte de Alexandre, que se caracteriza pela extensão das terras ocupadas pelos Gregos. A cultura helênica resulta de elementos culturais de diversos povos, que possibilitam as mudanças nos sistemas de administração das cidades.

Durante os séculos II e I a.C, Roma começa a se configurar como uma unidade imperial. Motivada pela expansão territorial surge, ai, os primeiros contatos com a filosofia grega e a cultura helênica como um todo. Adota-se, por parte da elite romana o grego como língua usual. A Grécia era tida como exemplo de civilização a ser seguida. Porém o maior contato se dá a partir das Guerras Púnicas com a possibilidade de contato com outras regiões devido a construção de estradas que facilitaram as trocas culturais e comerciais entre esses povos. O processo de solidificação do império traz consigo certa instabilidade religiosa ocasionada pela desestruturação das instituições romanas. E é devido a essa instabilidade, dada também no aspecto religioso que o romano começa a inserir em seu cotidiano as divindades estrangeiras.

Os cultos orientais tinham como objetivo atender as necessidades de proteção do individuo, ao contrário dos cultos oficiais que visavam somente manter o dever cívico de proteção do estado. "(...) a promessa de salvação constitui a novidade e a principal característica das religiões helenísticas." (ELIADE, 1983, Pg. 42)

O desejo de salvação pessoal faz com que muitos romanos busquem esses cultos orientais que permitiam um contato direto com o deus, sem a necessidade de existir um intermediário nessa relação.

 

Se o culto da Grande Mãe Cibele contou com a proteção da aristocracia romana, o êxito das outras religiões orientais, introduzidas mais tarde, foi assegurado pelo proletariado urbano e pelo grande numero de estrangeiros estabelecidos em Roma. Durante os dois primeiros séculos da República, a religião tradicional, ou seja, os cultos públicos- fora perdendo paulatinamente, o seu prestígio. Certas funções sacerdotais (e.g., flamen Dialis) e muitas corporações religiosas haviam caído em desuso. Como em toda parte da época helenística, a religiosidade desenvolvia-se sob o signo da deusa Fortuna (Túkhê) e do fatalismo astral das massas. (ELIADE, 1983, Pg. 130)

 

Os romanos cultuavam Cibele principalmente quando estavam em aflição, no qual sob a pedra negra que a representa faziam suplicas de bem estar pessoal. A insegurança sobre a vida e o além-vida fazia com que muitos romanos buscassem os cultos Orientais que, diferente da religião romana tradicional que visava trazer o bem estar do Estado e da vida terrena, essas religiões se destinavam a prover rituais que favoreçam o individuo pós-morte. "As divindades que se julgava terem conhecido a morte e a ressurreição estavam mais próximas do homem do que dos deuses políades." (ELIADE, 1983, Pg. 42).

Vê-se com essa aproximação das fronteiras entre oriente e ocidente a chegada de deuses como a já citada, Cibele, de origem Frígia, Ísis e Osíris, do Egito e Mithra, iraniano. "Ísis, cujo culto ao lado daquele do marido e irmão Osíris está ligado no Egito a legitimação do poder do faraó, às práticas funerárias com a relativa escatologia, e à promoção da fecundidade (...)" (SANZI, 2006. Pg. 38). Juntamente com a difusão do culto a Isis ela se heleniza a medida que é tomada como deusa pelos romanos. O culto a Mithra é absorvido, em sua grande maioria, por soldados, também relacionado a fertilidade.

 Na república, por volta do ano 59 a.C, o senado já se coloca contrário a presença de divindades orientais no Capitólio Romano, sendo ordenado por parte desses a destruição de altares e lugares de culto. Durante o Império os cultos orientais apesar de ganharem cada vez mais adeptos, Augusto e Tibério impedem a expansão religiosa destes, apesar de Ísis ter ser culto oficializado por Calígula, ainda no século I d.C. Esse aumento de adeptos a esses cultos se dão ainda mais pelo fato das religiões Orientais não considerar a classe social do individuo.

Evidencio o culto á Ísis, pois este se enraíza no cenário religioso romano, desde o século I a.C, possuindo desde sua chegada no território romano uma organização sacerdotal que também permiti a presença de escravos, classes diversas e mulheres, ou seja, camadas sociais até então desvinculadas de obrigações para com a perpetuação do culto oficializado pelo Estado.

Esses deuses em sua grande parte se inseriam no que autores, como Sanzi (2006)[6], Burket (1991)[7] e Eliade (1983)[8] denominam de religião de mistério.

 

[...] o atributo 'mistérico' refere-se a uma estrutura ritual bem individuada de tipo esotérico e iniciatório por força do qual os homens participam emotivamente da vicissitude dolorosa das divindades que asseguram um bom viver nesta vida e numa perspectiva beata pós-morte. Essas divindades orientais, portanto, particularmente graças a tal evolução tornam-se capaz de prometer as 'boas esperanças' para aqueles que, iniciados nos cultos, reivindiquem para si o mundo dos mortos. (SANZI, 2006, Pg.38)

 

Tendo como base essa perspectiva, vê-se o porquê da crescente aceitação dos romanos a essa inclinação religiosa, que apesar de sua prática efetiva convive, com a religião oficial.

As religiões orientais surgem em um cenário que o individuo buscava se estabelecer como senhor de sua religiosidade. "A palavra mistérios transmite o fascínio do que é secreto e a promessa de revelações emocionantes." (BURKET, 1991. Pg.13).

Essas religiões de origem do mundo helênico possuem características orientais no que concerne a sua postura religiosa que ia além do terreno, em busca de uma salvação futura. Essa forma de religiosidade não propunha padrões que definissem seus participantes, como as religiões oficiais que definiam por classe social, portanto não eram excludentes. Não possuíam dogmas, nem evangelhos a serem seguidos, e necessitavam de rituais de iniciação pessoal.

 

 É mais importante notar que a palavra mysteria condiz com um tipo de formação terminológica para a designação de festas, bem estabelecido não só no grego posterior, mas também no micênico. Para os atenienses, os Mysterias eram, e continuaram a ser, uma das grandes festas anuais (BURKET, 1991. Pg.20).

 

As religiões de mistério são como reflexo do desejo do culto particular não se associando a todas as formas de sua aceitação e prática, no que se refere haver um contato entre todos os grupos e efetuavam suas práticas. Os cultos realizados eram escolhidos e buscavam a segurança pessoal e permitiam um contato direto entre o praticante e o deus reverenciado. Esse tipo de contato permitiu que surgissem integrada as religiões de mistério as práticas votivas, as quais as pessoas realizavam promessas aos deuses para pedir e agradecer, através de oferendas destinadas a esses deuses. Essas práticas são encaradas como uma estratégia de regulação e de troca entre praticantes e divindades. Os votos são destinados aos familiares, em busca de prosperidade e cura. O voto e o cumprimento do mesmo são realizados em público. As religiões orientais se ratificaram sob essa forma de religião votiva, na qual a busca de salvação se figurava como o desejo de seus praticantes.

Outro aspecto que compõe junto com os votos a religião de mistério e o a iniciação pessoal, sem existir a ideia de perpetuação de culto na família. Havia por vezes por parte do iniciado, o uso de drogas alucinógenas que promoviam um contato mais fácil com as divindades, além de, também, durante as iniciações, existir a realização de sacrifícios que seriam dados as divindades, fazendo alusão a questão da morte e da vida nos rituais de mistério.

 

o postulante se comprometia por juramento se comprometia por juramento a guardar segredo sobre tudo o que veria e ouviria durante as cerimônias. Aprendia, em seguida, a história sagrada (o hieròs logos) que narrava a origem do mito da origem do culto. Provavelmente o mito já era conhecido pelo neófito, mas era-lhe comunicada  como uma nova interpretação esotérica, isso equivalia à revelação ao verdadeiro sentido sentido do drama divino. A iniciação era procedida de um período de jejum e maceração, depois do qual o noviço era purificado por lustrações. (ELIADE, 1983, Pg. 45)

 

As iniciações faziam com que os praticantes entrassem em contato direto com os deuses que através de certos rituais efetivavam esse contato, através de um juramento. A preocupação era manter o sigilo de rituais de revelação, esse seria um dos fatores que atraem um maior número de praticantes. Outro fator atrativo é a não demarcação de limites religiosos, no sentido de que não existia a proliferação de idéias contra qualquer forma de religião. As festas dos mistérios traziam os elementos importantes de cada culto.

Os mistérios se organizavam, segundo Burket (1991) de três formas, através do praticante itinerante, dos sacerdotes, e dos fiéis. O primeiro surge no sentido realmente não estar associado a um templo em especifico e sim a seu deus. O sacerdote já se associa a um templo, no qual esse possui uma hierarquia a qual deve ser seguida tanto a outros sacerdotes com em relação a suas funções rituais. E o terceiro tipo se refere aos praticantes individuais, que contribuem para a manutenção dos templos. Apesar dessas organizações coexistirem elas funcionam de forma autônoma se direcionando cada uma a sua área de interesse. Devido a uma tradição advinda do Egito, a qual esses acreditavam que as estátuas eram moradas dos deuses, havia necessidade de um lugar específico para essas, casas, no caso templos onde os sacerdotes poderiam atuar de forma direta com os deuses e seus cultos.

A essência do culto de mistérios se desenvolve segundo três vertentes que a configuram segundo Burket (1991), o mito, a alegoria da natureza e a metafísica. O mito traria em si uma forma mais demarcada de se dirigir e reconhecer a história dos deuses, cada divindade nos mistérios estão associados a um mito que influi diretamente na forma como o culto ocorre, porque a maioria da ritualística advém das passagens dos mitos dessas divindades. "Os adoradores de Ísis imitam a deusa, batendo no peito e gritando por Osíris, mas explodindo de júbilo quando o deus é reencontrado." (BURKET, 1991. Pg.20).  A alegoria da natureza apresenta essa como um certo mistério no que se refere aos cultos, por exemplo através da identificação de  Dionísio com uvas e vinhos, a água do Nilo associada a Ísis e Osíris.  A terceira vertente se da metafísica que se sobressai a questão da natureza e da presença dos sacerdotes, elevando o culto a um maior patamar.

Através dos estudos acerca do funcionamento da religião romana no que diz respeito a seus cultos oficiais que são estratificados com uma estrutura sacerdotal organizada, realizados e incentivados pelo Estado e daqueles que eram realizados à margem do oficial podemos perceber que, concomitante com a religiosidade dita oficial vê-se presente no cenário romano dos séculos I e II d.C um ambiente complexo, repleto de influências de cultos estrangeiros, que apesar de inicialmente negados pelo Estado se interpenetraram em Roma e posteriormente no calendário oficial do Império, possibilitando um rico ambiente religioso que ajuda a compor a sociedade romana, visto que a religião permeia diversos setores de tal sociedade. É importante frisar que as religiões de características orientais também permitiram um alargamento das fronteiras religiosas até então delimitadas pelo Estado a setores ate então excluídos, como escravos e mulheres.

 

 

 

Bibliografia:

BURKET. Walter. Antigos Cultos de Mistério.  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1991.

ELIADE. Mircea. História das Crenças e Das Ideias Religiosas. Tomo II. Volume II. Rio de Janeiro. Editora Zahar. 1983

FINLEY. M. I. Aspectos da Antiguidade. Ed Martins Fontes. 1991

GRIMAL. Pierre. O Império Romano. Lisboa. Edições 70, 2011.

SANZI. Ennio. Cultos Orientais e Magia no Mundo Helenístico- Romano: Modelos e Perspectivas Metodológicas. Organização e Tradução: Silvia Márcia Alves Siqueira- Fortaleza: EDUECE, 2006

SOARES. Hariadne da Penha. Os Cultos De Ísis E Atargátis No Alto Império Romano: Conflito Religioso E Formação De Identidades Nas Metamorphoses E De Dea Syria. Dissertação de Mestrado. Vitória. Universidade Federal do Espírito Santo. 2011.

TURCAN. Robert. Les Cultes Orientaux Dans Le Monde Romain. Paris. Ed : Le Belle Lettres, 1992 .

__________Rome et ses Dieux. Paris. La Vie Quotidinne. Ed: Hachette, 1998.

VEYNE, Paul. A sociedade Romana. E


*Graduanda em História pela Universidade Estadual do Ceará. Pesquisadora do grupo de pesquisa ARCHEA- Grupo de Pesquisa em Cultura Escrita na Antiguidade e Idade Média. Sob orientação da Profª. Dra. Silvia Márcia Alves Siqueira.

[1]   Segundo Pierre Grimal se define pela designação de "(...) uma força transcendente, simultaneamente criativa e reguladora, capaz de agir sobre o real, de o submeter a uma vontade.  GRIMAL.Pierre. O Império Romano.  Portugal. Edições 70, 1993.

[2]   Religiões que dependem de ritual pessoal, voltado para a vida pós-morte, ou seja, a busca da salvação.  É normalmente usada referindo-se ao culto de Ísis, ao culto à Mater Magna ou particularmente Mitra. BURKET . Walter. Antigos Cultos de Mistério.  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1991,  Pg 13.

[3] Helenismo é definido como o processo de expansão e internacionalização da cultura grega. Convencionalmente ele inicia-se com a morte de Alexandre, o Grande e termina com a conquista romana no Egito em 31 a.C.. dada a difusão da cultura grega no império romano, considera-se a extensão desse período, assim faz-se divisão entre um helenismo grego  que se estende entre 323 - 31 a.C. e um período romano, conhecido também como segundo helenismo que se estende entre 31 a.C. até 500 d.C. (LÉVÊQUE, 1987).

 

[4] O termo Romanização surgiu na historiografia no final do século XIX e início do século XX para explicar a forma como a adoção dos padrões culturais romanos foi processada nas províncias e nas regiões de fronteira do Império. SOARES. Hariadne da Penha. OS CULTOS DE ÍSIS E ATARGÁTIS NO ALTO IMPÉRIO ROMANO: CONFLITO RELIGIOSO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES NAS METAMORPHOSES E DE DEA SYRIA.  Dissertação. Vitória 2011, pg. 56.

[5]  O culto do Genius  era um culto tradicional que podia relacionar-se tanto aos indivíduos como a entidades ou lugares. SHEID, J. La Double vie dês dieux romains. In._______. La Religion des Romains. Paris : Armand Colin, 1998.

[6]SANZI.Ennio. Cultos Orientais e Magia no Mundo Helenístico- Romano: Modelos e Perspectivas Metodológicas. Organização e Tradução: Silvia Márcia Alves Siqueira- Fortaleza: EDUECE, 2006

[7] BURKET, Walter. Antigos Cultos de Mistério. Tradução: Denise Bottman São Paulo: Editora de Universidade de São Paulo, 1991.

[8] ELIADE. Mircea. História das Crenças e Das Ideias Religiosas. Tomo II. Volume II. Rio de Janeiro. Editora Zahar. 1983